Mário ou eu próprio-o-outro
Na Sala Estúdio
do Teatro da Trindade
INATEL
Quis o destino, ou outra força desconhecida, como a coincidência, que
criássemos esta produção no ano do centenário da morte do seu protagonista:
Mário de Sá-Carneiro. Esta vontade da companhia em recriar cenicamente o
texto de José Régio, fantasiando o dia do suicídio do seu amigo Mário, estava
na gaveta das nossas vontades, e este ano decidimos tirá-la de lá.
Assim, surge esta criação artística, de artistas, sobre artistas, através de
artistas e para todos. O poeta e contista Mário de Sá-Carneiro, é o
protagonista, José Régio, o autor. Ambos homens das letras. Amigos. Artistas.
Loucos. Como se a loucura pudesse ser sempre identificada.
Ambos se confrontavam com dualidades, com alter-egos, com contrastes e
cobiças projetadas em alguém deles próprios, mas camufladamente privados,
íntimos. No caso de Fernando Pessoa, amigo bastante próximo de Sá-
Carneiro, podemos dizer que acontecia o mesmo, mas manifestado de forma
diferente. Pessoa não só se recriava enquanto vários Outros, mas também
dava a conhecê-los. Mário escondia o eu Outro de todos, porque o escondia de
si, exorcizando-se dele apenas nos seus textos.
Esta projeção era construída através dos reflexos dos seus
antagonismos, servindo-se dela para o fazer sentir rebaixado e vitimizado, uma
forma de estar que cada vez mais começou a tomar conta deste artista, fruto
da sua loucura, ou estranha razão, mas sempre e progressivamente com
tendências depressivas, e, mais tarde, suicidas. Foi assim que encontrou a
solução para que o outro o deixasse em paz, tomando uma forte dose de
estricnina.
Régio, através das suas palavras, conta esse momento; cartas entre
Mário e Pessoa ilustram esses pensamentos, e com estes ingredientes, nós
criámos este espetáculo.
Sinopse
26 de abril de 1916, Mário de Sá-Carneiro suicida-se em Paris. Na
verdade, não se suicidou, foi suicidado. Pelo Outro, por ele próprio, o espelho
de uma mente instável e revoltada em si, de si, para si.
Este espectáculo vem propor um tecido cénico e performativo a este episódio,
escrito por Régio e com textos das cartas de Fernando Pessoa, recriando uma
relação entre dois personagens com génese apenas num.
A atuação das palavras e os diálogos visuais são criados num jogo de
conflito, submissão, superioridade e loucura. Os dois personagens não
procuram ser o oposto um do outro, mas sim a personificação de desejos e
diferenças que Mário almejava. E deu vida ao Outro. E o Outro, deu-lhe a
morte.
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